quarta-feira, 23 de junho de 2010

Fruto da indiferença

A chuva ia embora dando lugar a um forte vento que aumentava o frio daquele homem, sem conseguir tirar a alegria que trazia consigo. Ele tinha mais ou menos seus cinquenta anos, não tinha nome, era conhecido como "o moço do lixo"; também não tinha casa, fazia das ruas seu lar e dos bancos da praça Governador José Sarney sua cama. Para completar a coleção de coisas que lhe faltavam, era sozinho, nada de filhos ou esposa.
A rua aos poucos se esvaziava. O engarrafamento já havia se desfeito, ninguém caminhava pela calçada. Somente uma mulher gorda, um jovem magrelo e o moço do lixo davam vida para aquele lugar.
O último ônibus da noite finalmente chegou, a mulher e o rapaz embarcaram; ela aliviada, pois não se aguentava mais de medo daquele homem sujo e fedorento, tinha certeza que ele lhe roubaria a qualquer instante se continuasse ali; o menino nem havia se dado conta de que tinham outras pessoas além dele naquele lugar.
E para não deixar morta a rua, só restou o moço do lixo, que embrulhou-se com seu cobertor de jornal. E como se tivesse companhia disse: 'Até que tá uma noite gostosa, melhor frio que calor. Só essa maldita dor nas costas que não me deixa em paz. Ai, tomara que a consulta com o doutor lá no posto de saúde chegue logo, já faz três meses que eu espero. Bom mesmo é eu ir dormir e parar de reclamar, amanhã deve de ter um bocado de lixo para catar. Quem sabe eu não acho comida."
Antes de fechar os olhos e entrar em seu sono eterno sussurrou: 'obrigada, meu Deus'. Por que ele agradecia? Pelo que não tinha?
O dia amanheceu e o corpo do moço do lixo foi encontrado e tratado com a mesma indiferença que recebera em vida. As pessoas não entendiam que ele havia recebido a ajuda que lhe fora negada por pessoas importantes, como aquela que dava nome a praça.


11 comentários:

  1. *-*
    emocionei-me .
    A verdade é que por vezes nos adaptamos a essa mesma insensatez que a mulher gorda... E deixamo-nos submergir por essa indiferença de um para o outro. =/

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  2. Ah, que sensação de impotência, frente a cenas assim...

    =\

    ℓυηα

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  3. Nossa, Sarney é um capeta mesmo :X (tive que falar)

    E acho bonito quem consegue agradecer mesmo entre tanta falta, tanto carência. Acaba sendo tudo uma questão de ponto de vista ou opinião...


    :)

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  4. Nossa, vou te dar um super parabéns por me emocionar tão rapidamente algo que não é muito comum para mim, continue assim, texto ótimo e é com poucos gestos que aos poucos vamos começar a mudar esse mundo! beijo

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  5. Caraca, e quantas vezes não vemos isso? A população e o governo trata com as pessoas necessitadas com um descaso tremendo e o fim deles é assim, triste e sozinho, sem um pingo de dignidade.
    É revoltante...

    Bjs

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  6. Flor, que lindo. E mesmo assim, triste. Mas já te falei, e repito: gosto desses teus textos sociais, sabe? Acho lindo quem consegue largar o egoísmo de lado, e escrever sobre o outro. Amei!
    Um beijo

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  7. Adorei! Belíssimo! Beijos!

    http://meuprojetopiloto.blogspot.com/

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  8. Triste e real..

    O ser humano da valor para o dinheiro, se fosse uma cachorro, iria amar ele (o mendigo), como se fosse qualquer outro individuo;

    Lamentável..
    Beijo

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  9. A cruel realidade...
    Eu moro em cidade pequena, portanto, todos conhecem todos... Tem um homem que mora aqui, está sempre nos mesmos lugares, em um mesmo pedaço da rua principal da cidade. Tenho a curiosidade de saber os fatos pelos quais ele já passou, não é qualquer pessoa que escreve e escreve, depois faz um cigarro com seus textos e fuma-os, não? Deve ter algo bonito ali, tenho certeza disso...

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  10. Lindo *--*
    Muito triste, mas é a pura realidade :/

    :*

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